Facundo Guerra, que redefiniu a noite paulistana, mostrou como empreender vai além de abrir negócios
Primeiro palestrante da tarde no Festival Tutano, Facundo Guerra foi recebido como quem já carrega status de lenda viva da cena cultural brasileira. Engenheiro de alimentos, jornalista e doutor em ciência política, é o nome por trás de casas icônicas de São Paulo, como Vegas, Cine Joia, Bar dos Arcos, Blue Note e o mais recente Formosa Hi-Fi. Todos, projetos que moldaram a vida noturna da capital paulistana e lhe renderam o título de um dos cem empreendedores mais influentes do mundo.
Na palestra “A arte de tirar ideias do papel (e fazer dar certo)”, Facundo voltou no tempo, ao momento de partida de sua jornada, a demissão de um emprego estável para o salto em direção ao empreendedorismo. Em 2005, inaugurou o Vegas, boate que se tornaria não apenas um marco cultural, mas o motor da transformação da Rua Augusta em polo boêmio. O segredo, disse, não estava na estrutura técnica — que faltava —, mas em algo imaterial: a alma. “Alma é aquilo que você sente ao entrar em um espaço. Pode estar num bar, num mercadinho ou até numa farmácia. Ou tem, ou não tem”, categorizou.
Para ele, empreender é encarar o problema de frente. É nesse atrito com a dificuldade que surgem ideias capazes de ganhar forma, desde que se transformem em soluções viáveis. Guerra lembrou que 70% dos negócios no Brasil fecham antes de completar quatro anos e que 40% dos bares e restaurantes hoje operam no vermelho.
A diferença entre o um empreendedor e um empresário também foi tema de sua apresentação. Para Facundo, eles utilizam caixas de ferramentas diferentes. Enquanto a administração pode ser aprendida na faculdade, o empreendedorismo nasce do incômodo que leva à criação de soluções. “Empreender é o momento da fagulha, quando você tem uma ideia, articula energia e faz o negócio se tornar real. Empresário é quando esse negócio já está lucrativo”, disse. “Nunca deixei de ser empreendedor, mesmo depois de 20 anos, porque sempre estou pensando em algo novo.”
Seja no som de alta fidelidade do recém-lançado Formosa Hi-Fi, criado para audições de discos de vinil, ou na memória afetiva que rendem pedidos de reabertura do Vegas, o fio condutor está no mesmo lugar: criar experiências que tocam as pessoas. “Eu não vendo produtos, vendo gatilhos de memórias”, declarou.
Esse poder de encontro, para ele, é maior que qualquer faturamento. “Conheci pelo menos dez crianças, pelo nome, que nasceram de casais que se conheceram na pista do Vegas. Inclusive a minha filha, já que conheci a mãe dela lá.” Por tudo isso, Facundo evita falar mal de bares ou restaurantes. “Às vezes o lugar só não é para você”, falou, lembrando que mesmo assim, é o sonho de alguém.
Mais do que compartilhar números ou fórmulas, Facundo Guerra provocou o público a olhar para o empreendedorismo como um gesto humano, íntimo e, ao mesmo tempo, coletivo.